CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ACERCA DO VALOR DAS CLASSIFICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS

Heloisa Benetti Schreiner*

Resumo Exposição das contribuições de Aristóteles, Francis Bacon, Ranganathan, Grupo de Pesquisa em Classificação de Londres e I. Dahlberg, e seu uso em sistemas de organização do conhecimento. Considerações sobre o valor e a estrutura de uma nova classificação universal do conhecimento, de acordo com os resultados de recentes investigações na área.

INTRODUÇÃO

No início da década de 1950, Shera afirmou que as classificações bibliográficas universais falharam e falharam lamentavelmente como instrumentos para a organização e transmissão do conhecimento porque não existe uma ordem universal da natureza, nem tampouco um "leitor universal" (31:110).

Aceitamos estas afirmações como verdadeiras, mas não acreditamos que a solução para o problema esteja no desenvolvimento de sistemas especializados e incompatíveis entre si, mas sim na pesquisa em classificação e na elaboração de novos esquemas universais.

No decorrer desta apresentação, vamos examinar algumas contribuições básicas à classificação e sua utilização através dos tempos em sistemas de organização e transmissão do conhecimento humano, procurando mostrar que na verdade existem instrumentos e razões suficientemente válidos para nos engajarmos na elaboração e adoção de uma nova classificação universal do conhecimento.

ARISTÓTELES: determinação formal do ser

Nosso estudo inicia com o exame da contribuição de Aristóteles (384-322 a. C.), que determinou as diretrizes da classificação do conhecimento por mais de dois mil anos.

Um de seus mais significativos legados foi a distinção entre o aspecto formal e o aspecto material do ser.

Vejamos, primeiramente, as dez categorias que se referem à determinação formal do ser. Elas são:

Substância,
Quantidade,
Qualidade,
Relação,
Lugar,
Tempo,
Posição,
Estado,
Ação e
Sofrimento da ação.

"...Exemplos de substância", diz Aristóteles em sua obra Categorias, "são 'homem' ou 'cavalo': de quantidade, tais termos como 'dois braços de comprimento', 'três braços de comprimento'; de qualidade, tais atributos como 'branco', 'gramatical'. 'Dobro', 'metade', 'maior' caem na categoria de relação; 'no mercado', 'no liceu', na de lugar; 'ontem', 'no ano passado', na de tempo. 'Sentado', 'deitado' são termos que indicam posição; 'calçado', 'armado', estado; 'lançar', 'cauterizar', ação; 'ser lançado', 'ser cauterizado', sofrimento da ação" (3:5-6).

Estas são as formas sob as quais se apresenta o ser, especificamente, uma substância e nove acidentes. O número de categorias não é tão importante como a diferença que deve ser estabelecida entre a primeira e as nove restantes. Substância é a mais importante, pressuposta por todas as outras, que nada mais são do que suas características ou propriedades.

As dez categorias têm importante caráter classificatório e foram usadas em vários sistemas de organização do conhecimento, como:

     1 - Na Ars Magna (1272) de Raimundus Lullus (1232-1315), que "consiste em nada mais do que - como um método lógico-mecânico -, distribuir os conceitos em determinados lugares e combiná-los de uma forma definida para encontrar, imediatamente após, o que se pode dizer sobre um objeto ou como um dado problema pode ser resolvido. Ela fixa seis círculos concêntricos um sobre o outro de tal forma que todos podem ser girados; entretanto, um sempre domina os outros. Sobre estes diferentes círculos estavem representados conceitos e formas de pensamento e tão logo se movesse um deles, apareciam sempre outros e mais outros conceitos, um abaixo dos outros. De acordo com sua prescrição, se deveria tomar um objeto e conduzí-lo através dos diversos círculos, onde ele infalivelmente corresponderia a várias rubricas, que poderiam ser usadas como material para maior especificação do objeto, e então se poderia observar como o objeto ou a palavra dada se comporta em relação a estas especificações e às várias combinações que se tornam possíveis pelo giro dos círculos" (26:568). No terceiro círculo, aparecem as dez categorias de Aristóteles como determinações do "ser físico".

     2 - Na linguagem filosófica (1668) de John Wilkins (1614-1672), um sistema para a ordenação de todo o vocabulário científico da língua inglesa, composto de "(1) um esquema de classificação de coisas e conceitos elementares, (2) uma série de conjunções ou 'partículas' através das quais termos elementares podem ser combinados para expressar assuntos compostos, (3) vários tipos de notações, que não somente substituem os conceitos, mas também mostravam as relações existentes entre eles...; e (4) um índice alfabético remissivo para a tabela que inclui os sinônimos e homônimos mais comuns"(36:328). No quarto nível de subdivisão do esquema classificado encontramos as categorias de Aristóteles.

     3 - No Thesaurus of English words and phrases (1852), de Peter Mark Roget (1779-1869), uma classificação do vocabulário geral da língua inglesa, de acordo com uma sistemática categorial.

     4 - Na Colon Classification (1933), de S. R. Ranganathan (1892-1972), como será visto mais adiante neste painel.

ARISTÓTELES: aspecto material do ser

Passemos agora a examinar os cinco níveis do ser, que se referem ao seu aspecto material. Eles são:

Natureza morta
Seres vivos
      vegetais
      animais
Seres intelectuais
Seres divinos

Da mesma forma que as dez categorias, esta concepção da natureza como um sistema de níveis é básica na teoria da classificação aparecendo implícita ou explicitamente em vários sistemas, como veremos a seguir:

1 - R. Bacon (1214?-1294)
          Gramática e Lógica
          Matemática
          Física
          Metafísica e Moral
          Teologia

2 - R. Descartes (1596-1650)
          Lógica
          Matemática
          Filosofia
          Medicina
          Ciências mecânicas
          Ética

3 - G. W Hegel (1770-1831)
          Lógica
          Filosofia natural
          Filosofia do espírito

4 - A. M Ampère (1775-1836)
          Ciências cosmológicas
                    Ciências matemáticas
                    Ciências físicas
                    Ciências naturais
                    Ciências médicas
          Ciências noológicas
                    Ciências filosóficas
                    Ciências nootécnias
                    Ciências etnológicas
                    Ciências políticas

5 - I. G. de Saint-Hilaire (1805-1861)
          Série geral
                    Ciências matemáticas
                    Ciências físicas
                    Ciências biológicas
                    Ciências sociais

6 - A. Comte (1798-1857)
          Matemática
          Astronomia
          Física
          Química
          Fisiolofia
          Sociologia

7 - R. Spencer (1820-1903)
          Ciência abstrata
                    Lógica
                    Matemática
          Ciência abstrata-concreta
                    Mecânica
                    Física
                    Química
          Ciência concreta
                    Astronomia
                    Geologia
                    Biologia
                    Psicologia
                    Sociologia

8 - J. D. Brown (1862-1914)
          Matéria e força
          Vida
          Mente
          Registro

9 - H. E. Bliss (1870-1955)
          Série vertical da "Sinopse concisa da ordem das ciências e estudos"
                    Ciências abstratas
                    Ciências naturais
                    Ciências físicas
                    Ciências astronômicas
                    Ciências biológicas
                    Ciências antropológicas
                    Ciências psicológicas
                    Ciências sociais

10 - P. Tillich 1886-1965)
          Ciências do pensamento ou do ideal
          Ciências do ser ou do real
          Ciências do espírito ou das normas

11 - B. M. Kedrov (1903- )
          Ciências filosóficas
          Ciências matemáticas
          Ciências naturais e técnicas
          Ciências sociais
          Lingúística
          Psicologia

Mais recentemente, esta teoria foi adotada pelo Grupo de Pesquisa em Classificação de Londres, pela Encyclopaedia Britannica e por I. Dahlberg, em seus sistemas para organização do conhecimento.

ARISTÓTELES: os cinco predicados

Os cinco predicados - gênero, espécie, diferença, propriedade, acidente - e a classificação dicotômica do conhecimento constituem a terceira contribuição de Aristóteles que examinaremos.

Gênero é uma classe de objetos que possuem um determinado número de características em comum. Além destas, se levarmos em consideração mais uma, chamada diferença, podemos dividir o gênero em duas partes, chamadas espécies, de acordo com a presença ou não desta última característica. Uma espécie, portanto, possui uma diferença específica que a distingue de seu gênero próximo. Propriedade é uma característica essencial a um conceito, inerente a ele. Acidente é uma qualidade ou circunstância que pode ou não estar presente em um conceito.

Porfírio (232?-?304) representou a relação gênero-espécie em sua famosa "árvore". Partindo de uma categoria geral, substância, por exemplo, podemos dividí-la sucessivamente de acordo com a presença ou não das sequintes características - corpo, vida, alma, razão, morte - e chegar a um conceito individual, como Sócrates.

A classificação do conhecimento baseada no princípio de relação gênero-espécie implica na escolha arbitrária de uma característica como diferença, sendo todas as demais abstraídas, não importando sua relevância para outras formas de abordagem do conhecimento e resultando em uma classificação rigidamente monohierárquica que de forma alguma corresponde à complexidade da natureza. As classificações bibliográficas universais, entretanto, repousam todas elas sobre os cinco predicados aristotélicos. A CDU procurou atingir maior flexibilidade através do uso de sinais de relação, divisões comuns e divisões analíticas, mas o resultado, lamentavelmente, foi uma magnificação dos defeitos herdados da CDD. A relação gênero-espécie, entretanto, continua sendo princípio válido e muito utilizado para subdivisão de uma faceta ou categoria formal nas modernas classificações facetadas.

ARISTÓTELES: esquema tripartitivo de classificação

A última contribuição de Aristóteles que examinaremos é o seu esquema tripartitivo de classificação. Aristóteles dividiu o conhecimento em

Ciências teóricas
Ciências práticas e
Ciências produtivas

possivelmente de acordo com as capacidades do homem de pensar, agir e fazer, respectivamente. Outros filósofos que usaram o esquema tripartitivo do conhecimento foram:

1 - A. Poliziano (1454-1494)
          Teologia (Presentação)
          Filosofia (Invenção)
          Previsões e profecias

2 - M. Nizolio (1498-1556)
          Filosofia física ou natural
          Filosofia política ou civil
          Eloqüência ou lógica

3 - J. Huarte (1535-1592)
          Artes e Ciências
                    adquiridas pela memória
                    que dependem do raciocínio
                    produzidas pela imaginação

4 - F. Bacon (1561-1626)
          História (Memória)
          Poesia (Imaginação)
          Filosofia (Razão)

5 - G. W. F. Hegel (1770-1831)
          Lógica
          Filosofia natural
          Filosofia do espírito

É interessante traçar um paralelo entre os esquemas de Aristóteles, Huarte e Bacon.

FRANCIS BACON: influência na CDD

A grande contribuição da Renascença para a classificação foi a vasta sistematização do conhecimento de sua época, realizado por Francis Bacon (1561-1626) com uma minúcia até antão inexistente nas classificações filosóficas. Em suas obras The Advancement of science (1605) e De augmenti scientiarum (1623), ele não só classifica e define tods as áreas do saber, como também indica as cobertas por pouco trabalho humano, apontando, assim, para áreas de pesquisa em potencial. Sua detalhada classificação foi a base de vários instrumentos destinados à organização e transferência do conhecimento. Diderot e d'Alembert organizaram sua enciclopédia de acordo com o esquema de Bacon, que no fim do século 19 era quase que universalmente adotado. Foi, entretanto, sua daptação ao sistema decimal em 1876 por Melvil Dewey (1851-1931) que o estabeleceu definitivamente como uma das mais fortes influências na classificação bibliográfica. Se contarmos os usuários da CDD e da CDU, podemos afirmar que pelo menos 125 000 bibliotecas e centros de documentação em todo o mundo organizam seus acervos de acordo com Bacon. Seu esquema é falho, aceitamos. Devemos, entretanto, levar em consideração que ele não foi elaborado com a finalidade de organizar documentos em bibliotecas e muito menos informação propriamente dita no século 20, i. e., 350 anos após sua elaboração. Os bibliotecários é que, por não disporem de um meio mais eficiente, o adaptaram para uma finalidade diversa daquela para a qual havia sido originalmente concebido.

É interessante notar que ainda hoje há os que, como Langridge, advogam a volta a Bacon com base para a estrutura de um novo esquema geral de classificação (16:53).

O conceito de categorias formais já havia sido identificado por Aristóteles: a combinação de conceitos elementares para a expressão de conceitos compostos já havia sido usada por Lullus e Wilkins e seu uso já havia sido introduzido nas classificações bibliográficas. Entretanto, a Colon classification (1933) de S. R. Ranganathan (1892-1972) é algo totalmente novo no campo da classificação bibliográfica. É baseada no princípio analítico-sintético, em oposição ao princípio hierárquico-enumerativo, analisando o assunto em seus elementos constitutintes fundamentais, formais e materiais, que são os únicos representados nas tabelas, e prevendo a síntese destes elementos, através de símbolos de conexão e relação apropriados, de acordo com o conteúdo dos documentos a serem classificados.

"Não é preciso provar", afirmava Jevons em 1873, "que o nosso conhecimento da natureza é incompleto, de maneira que não podemos seguramente assumir a não existência de novas combinações... Uma classificação puramente lógica deve levar em consideração não somente o que com certezxa existe, mas também o que pode ser descoberto no futuro" (22:706). Perguntamos agora: Teria Jevons também afirmado que a classificação por assuntos em bibliotecas é um "absurdo lógico", tivesse ele tomado conhecimento do trabalho de Ranganathan? (23:715).

Não nos deteremos aqui em um exame mas profundo de sua contribuição, pois este assunto vai ser desenvolvido a seguir neste painel. Devemos, entretanto, mencionar que Ranganathan representou um marco na história da classificação bibliográfica, apesar das muitas e verdadeiras críticas que lhe são apontadas e do pequeno número de usuários de sua Colon Classification. Os trabalhos do Grupo de Pesquisa em Classificação de Londres partiram das ensinamentos de Ranganathan, apesar de seus membros terem tomado um curso diverso de seu mestre.

TEORIA DOS NÍVEIS INTEGRATIVOS

Em 1963, o Grupo de Pesquisa em Classificação de Londres discutiu as bases para a elaboração de uma nova classificação universal. Ela deveria ser facetada e as classes principais não seriam formadas de acordo com as disciplinas tradicionais - uma das falhas apontadas ao sistema de Ranganathan - mas o conteúdo destas é que seria ordenado de acordo com a teoria dos níveis integrativos. "O conceito de níveis integrativos de organização", diz Novikoff, "é a descrição geral da evolução da matéria através de sucessivas e mais altas ordens de complexidade e integração. Ela vê o desenvolvimento da matéria desde as mudanças cosmológicas que resultaram na formação da Terra até as mudanças sociais na sociedade como um processo contínuo, porque ele nunca cessa, e como um processo descontínuo porque ele passa por diferentes níveis de organização - físico, químico, biológico e sociológico"(27:209).

Historicamente, a raiz desta concepção do mundo real como graus de integração e complexidade pode ser encontrado nos cinco níveis do ser de Aristóteles. No século 19, esta teoria recebeu grande impulso com os trabalhos de Comte, Spencer e, especialmente, Hegel, que entende a natureza "como um sistema de níveis onde cada um precede necessariamente o outro, mas não de tal maneira que um é naturalmente produzido pelo outro, mas na idéia interior, que é a base da natureza" (19:192). No século 20, merece destaque especial o trabalho de Nicolai Hartman (1882-1950), para quem o mundo real é uma unidade, mas em forma de um sistema em quatro níveis: inorgânico, orgânico, psíquico e espiritual (18). Também são importantes os trabalhos de J. Needham e A. B. Novikoff nas décadas de 1930 e 1940, respectivamente. Em 1954, Feiblemann desenvolveu a teoria dos níveis integrativos, mostrando que a cada nível corresponde um objeto, um processo e uma propriedade característica. Encontramos aqui novamente o conceito de categorias formais já identificado por Aristóteles (9:231).

Nível Objeto Processo Propriedade
Antropológico Sociedade Contato e adaptação Etos
Psicológico Pessoa Estímulo/resposta Autoconsciência
Biológico Organismo Sensibilidade/reação Vida
Químico Molécula Combinação/ordenação Valência
Físico Átomo Causa/efeito Energia

Baseado no trabalho de Feiblemann, o Grupo de Pesquisa em Classificação da Inglaterra produz o seguinte esquema:

Entidades físicas
Entidades químicas
Entidades heterogêneas não vivas
Artefatos
Entidades biológicas
Homens
Mentefatos (15:30-31)

Posteriormente, foi levantada a questão sobre o lugar adequado para a classe "artefatos" na seqüência acima. "O princípio de aparecimento no tempo", diz Foskett, "relacionaria artefatos diretamente com seus fabricantes, como ninhos aos pássaros. produtos industriais ao Homem e assim por diante. Isto significaria que as tecnologias não apareceriam no esquema pelo menos até depois da biologia humana" (15:32).

Ao contrário de Ranganathan e do Grupo de Pesquisa em Classificação de Londres, que, em seus sistemas, partiram do conteúdo material do ser e a ele subordinaram as categorias formais, em 1974 Dahlberg apresenta uma proposta de estrutura de uma classificação universal partindo de cinco categorias formais hierarquicamente independentes, que podem ser combinadas entre si. O sistema pode ser graficamente assim representado (9:259):

Dentro das categorias formais "Áreas do conhecimento" e "Objetos gerais", os conceitos relativos ao aspecto material foram paralela e independentemente ordenados de acordo com a teoria dos níveis integrativos. Assim temos:

Áreas do conhecimento
1. Área formal e estrutural
2. Área material
3. Área geológica e cosmológica
4. Área biológica
5. Área humana
6. Área social
7. Área de produção e abastecimento
8. Área científica e de informação
9. Área cultural (9:265)

Objetos gerais
1. Princípios, leis - Unidades formais
2. Átomos, moléculas - Unidades materiais
3. Terra, estrelas - Unidades cósmicas
4. Plantas, animais - Seres biológicos
5. Homens - Seres espirituais/psíquicos
6. Sociedades - "Seres" sociológicos
7. Artefatos - Produtos materiais
8. Informações, documentos - Produtos intelectuais
9. Trabalhos artísticos, metafísicos - Produtos espirituais/psíquicos (9:262)

A 15. ed. da Encyclopaedia Britannica organiza sua "Propaedia" de acordo com um esquema do conhecimento que reflete a influência da teoria dos níveis integrativos:

1. Matéria e energia
2. A Terra
3. Vida na Terra
4. Vida humana
6. Arte
7. Tecnologia
8. Religião
9. História
10. Os ramos do conhecimento (25:10-16)

Três aspectos interessantes desta organização merecem destaque:

1 - M. J. Adler, Diretor de Planejamento da Encyclopaedia Britannica, deixa claro que a seqüência em que os assuntos aparecem não implica em hierarquia entre eles e que o princípio de organização adotado não é o único possível.

2 - A inclusão, no mesmo nível das outras ciências, de uma classe referente especificamente ao estudo do conhecimento humano. "Da Parte Um à Parte Nove, o esquema cobre o que nós sabemos sobre o universo com a ajuda de tais ciências como Física, Química, Astronomia, Geologia, Meteorologia, Biologia, Medicina, Psicologia, Antropologia, Sociologia, Política, Economia e Tecnologia. Ele também cobre o que nós sabemos como resultado do estudo sistemático e erudição em tais campos como Educação, Direito, Artes, Religião e História... Na Parte Dez nós estamos envolvidos com a autoconsciência do conhecimento - com conhecimento sobre conhecimento - com o nosso conhecimento virado, reflexivamente, sobre si mesmo. Aqui nós não estamos considerando o universo como objeto de conhecimento. Consideramos, isto sim, o mundo do conhecimento em si mesmo: suas diversas disciplinas, modos de inquirição, campos de erudição ou estudo sistemático - enfim, como o título da Parte Dez indica, os ramos do conhecimento." (2:692)

3 - O esquema foi desenvolvido antes de os "artigos terem sido denominados, esquematizados, encomendados, escritos e editados. O esquema serviu de base para a determinação de como os artigos deveriam ser escritos, qual deveria ser seu conteúdo, como eles deveriam ser relacionados uns com os outros e assim por diante. Portanto, ele foi uma 'table of intents' antes de ser uma 'table of contents' " (1:7).

Isto nos lembra automaticamente da obra de Francis Bacon, que a fez como se ela "fosse um pequeno globo do mundo intelectual, tão fiel e verdadeiro quanto ele o pode descobrir: como uma nota e descrição das partes que não lhe pareciam constantemente ocupadas ou bem transformadas pelo trabalho do homem". (4: 221)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Concluindo esta apresentação, gostaríamos de fezer alguns comentários sobre o valor e a estrutura de um sistema universal de classificação em nossa época.

Referindo-se à importância de um sistema de ciências sob o ponto de vista da teoria do conhecimento, Tillich nos diz que "conhecido é aquilo que, como parte essencial, está classificado em um conjunto. O indivídual, em seu isolamento, não é objeto de conhecimento. Onde falta um conjunto abrangente, lá só se pode olhar, mas não conhecer". (32:1)

Examinando a questão do ângulo prático, de funcionamento de sistemas de informação, o comitê que realizou o estudo de viabilidade do Sistema UNISIST declarou que a "normalização é uma necessidade crucial" (34:78), e decidiu estabelecer um Sistema Geral de Ordenação (Broad System of Ordering) (7).

Aceitas as afirmações de que

1. uma classificação universal do conhecimento é necessária tanto do ponto de vista teórico como do ponto de vista prático;

2. os atuais sistemas de classificação não correspondem às necessidades do mundo de hoje, e

3. não podemos construir um sistema de validade permanente e universal,

perguntamos: Qual seria a estrutura mais adequada para um novo sistema universal de classificação?

Através deste nosso breve estudo, baseado na análise dos resultados de recentes investigações na área, podemos afirmar que:

1 - Existe um consenso científico e educacional em torna da teoria dos níveis integrativos como base para a ordenação das entidades que compõem o mundo real.

2 - Somente um sistema facetado, que reconhece a necessidade de uso de categorias formais, pode arcar com a complexidade da informação a ser ordenada e com o rápido desenvolvimento das ciências.

3 - É necessário que o sistema universal permita o desenvolvimento de esquemas especializados em compatibilidade consigo.

4 - O sistema deve conter conceitos tão puros quanto possível, com a finalidade de assegurar sua compatibilidade com sistemas que serão desenvolvidos posteriormente a ele.

5 - O sistema de notação, preferivelmente numérico e decimal, deve permitir fácil manipulação pelo computador, possibilitando a implantação, sem dificuldade, de programas de classificação automáticos de textos e solicitações e, consequentemente, do processamento de grandes massas de informação.

 

Bibliografia consultada

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Abstract

Review of the contributions of Aristotle, Francis Bacon, Ranganathan, Classification Research Group (London) and I. Dahlberg on the value and structure of a new universal classification system according to recent research in the area.

* Trabalho apresentado à Conferência Brasileira de Classificação Bibliográfica, Rio de Janeiro, 12-17 set. 1976. Anais, v. 1. Rio de Janeiro, IBICT/ABDF, 1979, p. 190-207.

 

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